Para cerca de uma em cada cem pessoas, consumir alimentos que contenham mesmo pequenas quantidades de glúten pode desencadear reações dolorosas e representar riscos graves para a saúde. Embora a origem da doença celíaca esteja ligada a fatores genéticos, o desenvolvimento da condição envolve também vários elementos ambientais e biológicos. Agora, uma equipa internacional de investigadores recorreu a ratos geneticamente modificados para identificar um papel fundamental das células que revestem o intestino, revelando um avanço promissor para o desenvolvimento de novas terapias.
Doença celíaca: há uma nova descoberta importante! Veja
A doença celíaca é uma condição autoimune crónica que surge quando o sistema imunitário reage de forma anormal à presença de glúten. Ou seja, um conjunto de proteínas estruturais presentes no trigo, centeio e cevada.
Para quem vive com esta patologia, ingerir alimentos como pão, massas ou bolos pode causar sintomas como inchaço abdominal, dores, diarreia, prisão de ventre, refluxo e, por vezes, vómitos.
A única forma conhecida de evitar estes sintomas tem sido manter uma dieta totalmente isenta de glúten. A longo prazo, no entanto, o contacto com esta proteína pode levar à destruição das vilosidades intestinais. As pequenas estruturas que revestem o intestino delgado e são responsáveis pela absorção de nutrientes.
Quando não tratada, a doença celíaca aumenta o risco de complicações sérias, como o desenvolvimento de cancro do cólon, doenças cardiovasculares, anemia, osteoporose, atrasos no crescimento, problemas reprodutivos e perturbações neurológicas.
Genes, sistema imunitário e glúten: uma combinação delicada
Cerca de 90% das pessoas com diagnóstico de doença celíaca possuem variantes genéticas associadas à produção da proteína HLA-DQ2.5. A maioria dos restantes possui uma versão similar, a HLA-DQ8.
Estas proteínas do sistema imunitário, conhecidas como antigénios leucocitários humanos (HLA), têm a função de apresentar fragmentos de agentes externos (como o glúten) às células de defesa, sinalizando potenciais ameaças.
No caso da HLA-DQ2.5 e HLA-DQ8, estas proteínas têm uma afinidade particular para fragmentos de glúten difíceis de digerir. Isto ativa células T agressivas que atacam o tecido intestinal. Isto mesmo que este não represente um perigo real.
Contudo, nem todas as pessoas com estes marcadores genéticos desenvolvem a doença. Para tal acontecer, é necessário que o glúten atravesse a parede intestinal, um processo facilitado por uma enzima de transporte que modifica os fragmentos de glúten, tornando-os ainda mais “visíveis” ao sistema imunitário.
Nova evidência: as células intestinais não são apenas vítimas
As células que revestem o intestino têm a capacidade de libertar essa enzima transportadora e também de expressar as proteínas HLA associadas à doença celíaca – algo que se sabe ser influenciado por processos inflamatórios.
O que não era claro até agora era o verdadeiro papel que estas células desempenham no desencadear da doença.
Para aprofundar esta questão, os investigadores analisaram a expressão destas proteínas imunitárias em amostras de intestino de pacientes com doença celíaca (tratados e não tratados). Também em ratos com genes humanos modificados para produzir HLA-DQ2.5.
Com estas células, criaram modelos vivos de tecido intestinal (organoides) e expuseram-nos a diferentes estímulos: inflamação, fragmentos de glúten digeridos e inteiros.
O estudo revelou que as células intestinais não são meramente danificadas como consequência da resposta imunitária. Pelo contrário, são protagonistas ativas. Assim apresentam fragmentos de glúten – transformados por enzimas e microrganismos intestinais – diretamente às células do sistema imunitário que causam a inflamação.
Um passo em direção a novos tratamentos
Ao identificar os tipos de tecido envolvidos e o papel que as bactérias intestinais inflamatórias desempenham no processo, esta investigação oferece novas pistas para o desenvolvimento de terapias futuras.
Esta descoberta pode, no futuro, permitir o desenvolvimento de medicamentos que bloqueiem ou modifiquem a forma como as células intestinais participam na ativação imunitária, abrindo a porta para que milhões de pessoas com doença celíaca possam voltar a comer, ocasionalmente, alimentos com glúten.